Aqui sentada em frente ao
computador, tentando discernir meus sentimentos sobre o que vi ontem ao visitar
a casa onde meus avós paternos e minha tia moravam.
Maquiné-RS, Brasil – 28 de
agosto de 2016.
Dia 30 de julho1994 meu avô
Antônio Machado faleceu em decorrência de um câncer no pulmão e em 22 de junho
de 2012 minha avó Aracy, sua esposa, faleceu após uma parada cardíaca. Até
fevereiro deste ano, 2016, minha tia morou lá sozinha e tentou cuidar da casa
como pode, tarefa bem difícil pra quem trabalhava mais de 12 horas diárias.
Ela não conseguiu mais ficar
lá, eram muitas contas, muito trabalho, pouco dinheiro e pouco tempo pra manter
um terreno tão grande. Então ela se mudou pra Cachoeirinha para morar com minha
outra tia e com minhas primas.
Desde fevereiro a casa
estava fechada e ontem, após a comemoração dos 97 anos da bisavó do meu marido
em Itati-RS, Brasil – município vizinho de Maquiné – resolvi passar ali pra ver
a casa, rever o lugar onde passei tantas férias de verão, tantos natais e
tantas viradas de ano. Eu sabia que ela estaria abandonada, com a grama
transformada em mato e com mais rachaduras do que da última vez que fui lá, mas
o que vi foi de chorar.
O portão de madeira foi
colocado abaixo, a porta principal da cozinha foi forçada até quebrar os
marcos, a estante da sala que não pode ser trazida na mudança estava com
algumas portas quebradas, a cama que também não pode ser trazida estava atirada
num canto, também quebrada e a casa inteira estava com ar de invasão.
Alguém foi até lá pra
invadir o lugar que antes nos acolhia, olhei para os lados surpresa com o vazio
físico e junto, senti o vazio de quem já se foi. O vazio daquilo que nunca mais
teremos de volta, afetos que foram violados com a presença de pessoas mal-intencionadas
e vândalas.
Não foi só pela propriedade
que fiquei chocada. Não ver ali nada que pudesse me remeter aos afetos passados
doeu muito, já não há mais ali o sentimento de amor que sempre tive dos meus
avós. Tudo foi embora, invadido e vandalizado. O tempo estragou as paredes, o
telhado e a pintura. Pessoas estragaram móveis e o pouco que ficou da lembrança
dos meus avós.
Eu esperava chegar ali e ver
tudo trancado, na esperança de não ver nada por dentro e manter maculado o
ambiente familiar que estava na minha lembrança. Queria apenas ver o mato em
volta, ver tudo trancado e criar uma esperança de ter dinheiro pra reformá-la
um dia ou apenas ir lá em outro momento pra cortar a grama e limpar o pátio.
Cheguei e tudo estava
aberto, sujo, depredado, violado. Senti que meus afetos foram violados, que a
vida inteira de trabalho e dedicação dos meus avós foram violados. Queria
chegar lá e sentir saudade, quem sabe me permitir chorar pela saudade, mas não.
Senti raiva, decepção, falta de respeito e muita dor.
É isso que estou sentindo
agora, dor. Não dormi bem essa noite e de quebra, sonhei com meus avós. Não
lembro o conteúdo do sonho, mas ainda me sinto violada e triste.
Quando já estávamos saindo
da casa, uma amiga da minha avó passava pela rua, ela viu meu choro e ofereceu
um abraço. Inês é o nome dela. Conversamos um pouco, agradeci o apoio e ela foi
embora.
Não quero terminar esse
texto com tristezas, gostaria de lembrar coisas que nos faziam felizes e que
acredito ser muito parecido com o que vocês, leitores, guardam em suas memórias
sobre seus avós.
Chegada na casa com buzinaço
e cachorrinhas pulando, abraço apertado pelo tanto de tempo que não nos vemos,
malas soltas no corredor, vó correndo pra lá e pra cá pra servir o café, vô
fritando peixe pra acompanhar o café, primos correndo e enchendo o saco dos
adultos, tia mostrando pra criançada como as cachorrinhas são inteligentes, pão
caseiro e chimia de banana, “vó, tem Nescau?”, pai, tios e vô tocando reis,
cachaça antes do almoço, arroz com galinha no almoço, vinho pra acompanhar a
italianada, tias e primas revezando a louça e o varrer da casa, doces caseiros
da vó depois do almoço, futebol no campo do lado de casa, primaiada enchendo o
saco dos adultos pra tomar banho no rio, adultos cedendo e levando a criançada
no rio, merengue de forno e suco de tarde, desenhos e brincadeiras no pátio, vó
costurando roupas pra gente, vô criando pião no torno, chimarrão com rapadura
caseira, roupas de cama e colchões espalhados pela casa, “onde vou dormir”?,
“vamos na praia?”, “vó, dá mais doce?”, “tá na hora de ir embora!”, abraço na
vô, no vô e na tia, carro cheio, abraços, beijos, risadas, abanos, buzinaços,
“vão com Deus e boa viagem!”, “te amamos!”.